5.4.15

"pasolini"




a arte narrativa, todos sabem, é morta.
estamos, portanto, em narrativo luto.
em luto vivemos, não uma vida,
ou um romance, mas uma parábola.
porque as parábolas são as últimas
tentativas de se tratarem escombros.

isso dura ininterruptamente,
a imensidão que anseia e escapa.
há sempre duas vidas no coração da culpa.
há sempre dois pecados na supressão do erro.
é natural pensar que o deserto
não há de ser o deserto novamente.

as areias migram – há o limite
entre aquilo que se enxerga
e o pouso do que se imagina,
o decolar breve do que alucina
o mundo, agudas notas de adeus,
as bocas firmes dos sem amor,
chaves trêmulas dos sem firmeza.

estamos todos em perigo súbito.
há navalhas sorridentes na corda bamba.
as ruas são sonhos chuvosos.
suados acordamos, suados sonhamos.
vivemos com frio nas ruelas de carne.
tão leve havia de ser, tão a mercê do sol.
mas é preciso mais que sol, é preciso
que todos acordem dessa tragédia.

plantam-se ainda as foices na terra
adubada pelo que apodreceu.
e podemos notar as notas agudas,
as placas que se movem com a exatidão
de uma artéria que se rompe.

Um comentário:

Isadora P. disse...

Pasolini estaria orgulhoso! <3

Lindo, lindo!

beijos,

guaxinim <>