22.3.13

"Essência de Pietchórin"

Mikhail Liérmontov


"(...) eu tenho um caráter funesto; se foi a educação que me fez assim, ou Deus que me criou desse modo, não sei; sei apenas que se sou a causa da infelicidade de outros, eu mesmo não me sinto menos infeliz; naturalmente é um mau consolo para os outros, mas essa é a verdade. Na minha tenra juventude, desde o momento em que me livrei da tutela dos mais velhos, entreguei-me loucamente a todos os prazeres que o dinheiro podia me possibilitar e, naturalmente, acabei-me habituando a esse prazeres. Depois me lancei à alta sociedade e logo a sociedade também me provocou ojeriza; apaixonava-me pelas mulheres belas da alta sociedade e elas também me amavam, mas o seu amor apenas excitava a minha imaginação e o meu amor-próprio, enquanto o coração continuava vazio... Passei a ler, a estudar, e as ciências também me saturaram; percebi que nem a fama nem a felicidade provinham das ciências, porque as pessoas mais felizes são as ignorantes, e a fama é uma questão de sorte, bastando ao indivíduo ser astuto para alcançá-la. E então senti tédio... Pouco depois fui transferido para o Cáucaso: foi o período mais feliz da minha vida. Esperava não encontrar o tédio sob as balas dos tchetchenos - inútil: ao cabo de um mês já estava tão acostumado ao seu zunido e à proximidade da morte que, para falar a verdade, dava mais atenção aos mosquitos: e passei a sentir mais tédio que antes, porque perdera quase a última esperança. Quando vi Bela em minha casa, quando, ela sentada no meu colo, beijei pela primeira vez as suas negras madeixas, eu, bobo, pensei que ela fosse um anjo enviado pelo compadecido destino... Mais uma vez me enganei: o amor de uma selvagem é pouco melhor que o amor de uma dama nobre; a ignorância e a simplicidade de uma enjoam tanto como o coquetismo da outra; se o senhor quiser, eu ainda a amarei, eu lhe sou grato por alguns minutos bastante doces, daria a vida por ela, só que com ela eu sinto tédio... Se sou tolo ou malvado, não sei; a verdade, porém, é que também mereço compaixão, talvez mais do que ela: tenho a alma corrompida pela sociedade, a imaginação intranquila, o coração insaciável; nada me basta: eu me acostumo à tristeza com a mesma facilidade com que me acostumo ao prazer, e minha vida vai ficando dia a dia mais vazia; resta-me um recurso: viajar. Tão logo seja possível, viajarei: apenas não será para a Europa, Deus me livre! Irei à Amértica, à Arábia, à Índia - talvez morra no caminho, em algum lugar! Pelo menos estou certo de que as tempestades e os maus caminhos tornarão duradouro esse último consolo."

*trecho de "O Heróio do Nosso Tempo", de Liérmontov