23.6.12


o nascimento alheio
o nascimento de si
o nascimento de si no alheio
e do alheio em si

Aconteceu uma coisa e não consigo me desvencilhar de pensar nela o tempo todo, desde que aconteceu. Algo foi gerado dentro de um corpo enquanto eu também estava dentro desse corpo gerando a mim mesmo, “ganhando vida”, como se diz nos bosques queimados. Portanto, algo foi gerado dentro de um corpo enquanto eu mesmo me gerava dentro dele. Ciúmes do algo gerado, porque esse algo gerado foi gerado dentro, por forças de fora; seu estado é, portanto, de dádiva pura, aparição, profecia, milagre da existência divina. Já no meu caso, fui gerado a mim mesmo dentro do mesmo corpo, mas esse corpo não me gerou, não se trata, portanto, de aparição; a situação é  mais sofrível, pois parte da falta de escolhas, mas da impossibilidade de não escolher. Fui eu que me gerei nesse corpo e, apesar de responder por isso em pessoa, porque eu fui até esse corpo pessoalmente, ou seja, uma pessoa fez isso por mim, no meu lugar, como que substituindo o eumesmo mais crítico e inatingível, que, este sim, através de um movimento pessoal, cometido por alguém que não sou eu mesmo no meu lugar, mas sou eu porque quero sempre pensar que eu seja eu, o eumesmo mais crítico e inatingível permitiu-se rasgar mais uma vez pelo comportamento de um corpo que não o pertence, mas que ele habita, e habitando nesse não pertencido o eumesmo só pode se gerar no outro corpo, o que o coloca bem mais numa situação de pedinte, como quem grita “ei, deem-me um lugar para que eu possa me gerar!”. E isso tudo me difere daquele ainda outro corpo, este sim, terceiro, gerado exteriormente, num movimento de fora para dentro, que resulta em vida plena, chance, estrada. Minha falta de convicções me atribui espaços alheios como próprios, e só posso gerar a mim mesmo muito ocasionalmente, quando uso um corpo alheio para me fazer sentir gerado, mesmo estando na posição de gerador, o que causa muita confusão e disritmia. Mas dessa vez estive gerado, dividindo o espaço com outro corpo não ativo que manifesta um poder geograficamente mais forte do que eu neste corpo em que me gero. Algum dia gerarei algo além de mim mesmo, nalgum corpo, que nunca tenha sido eu? Algum dia poderei ver um pedaço de mim funcionando com maior prestígio num campo alentado para sua chegada e providência? Sou irmão do corpo gerado externamente e com o qual divido espaço no mesmo corpo em que me gero. Fomo-nos gerados, isso basta. Tenho um irmão que posso ver, que não sou eu, de uma diferente constituição, mas ocupamos a mesma caverna e, apesar das diferentes formatações, somos vias anacrônicas de uma mesma tragédia, formada do espaço que fica entre o que é gerado e o que se gera em si mesmo através disso. Mas uma coisa é certa e, talvez por isso, fique na cabeça: fui-me gerado ao saber que, no deserto da minha geração, havia outro gerado, senão dentro de mim, ao menos ao lado, usado da mesma substância aleatória, a que podemos aos prantos – porque no fundo não sabemos – chamar de amor ou vibração de mistérios.

Rio de Janeiro, 21 de junho de 2012

Um comentário:

Anônimo disse...

que teimosia, engraçado, do utero ao tumulo.