18.4.12

“diário 1: alvorada”

se não tivesse isso, não teria nada.

as primeiras horas do dia revelam aqueles instantes de pura expectativa e receio quando um se diz do que está a frente não sei nada, do que está atrás sei, mas morreu com o sono, um pouco mais e sempre.

um dia atravessado é um santo; é possível amá-lo, o que chamar-se-á nostalgia se for intenso, mas não se pode temê-lo – é uma foto, uma flor no chão, um namoro de oito meses.

já as formas do dia, quando ainda se recuperam de imensa morte diária, porque um dia que nasce é sempre uma ressurreição, tomam o susto pavoroso do cálculo: posso fazer?

do escuro vem a criança, a boa-nova do medo; que dizer então do mistério que envolve as horas do ouro do primeiro dia? é o negativo imperial formando o positivo salutar ou, pior ainda, o esperar a ser temendo.

porque todo o dia é sempre o primeiro dia já que vemos a mudança do tempo mudados já no instante em que se muda.

o tempo explode pela primeira vez neste exato instante, e o erro quanto a isso incha clínicas de ciclos mortos, quando abandonamos a noite de nosso longínquo parentesco, e iniciamos o debate profético de um filho sem pai, luz primeira.

quase escondido da literatura vigente, teme surgir um campo inundado da língua em que conhecer-se através dela faz parte dos amores íntimos.

as esferas das frases são cada palavra na ponta do destino.

conhecer de perto o material da farsa: esta consiste a única missão do homem na terra; e o único caminho possível para o amor.

o que me leva a ser mais generoso com desconhecidos? aceitá-los em sua completude ausente de mim torna-se subitamente a única forma de acordar meu silêncio. silêncio este aflito, dividido normativamente com os íntimos que, sendo portadores também, junto a mim, de meus pedaços de silêncio perdidos, precisam ou devolvê-los, se quiserem cobrar meu carinho, ou aceitá-los como algo muito estranho que habita seus corpos, podendo só assim reconhecer a magia do erro, da mistura implícita.

quando nasce o dia em nós, porque é irrelevante quando nasce o dia no mundo, arrumamos logo afazeres, que justifiquem sua morte em batalha: arrumamos a estante, fumamos cigarros pela janela, com algo que parece coçar no corpo, algo como uma presença maior que começa a invadir espaço que nem sabíamos existir. daí vêm os textos prematuros, pouco importa sejam ideias descartáveis; o descartável, com o pavor do dia nascente que deverá, de um modo ou de outro, ser utilizado até sua morte, sugado como um escravo cego, torna-se perecível, justo e firme como uma realidade intransigente. daí nos vem a ideia de colher pequenas flores que caiam ao chão. daí a ideia de que, sendo noite de ninguém, ó rosa, fechaste tantas pálpebras. os planos, a vertigem e o medo de como é cansada a palavra vertigem, sendo horrorosos meios e a única maneira plausível de falar deus, mas não se sabe ainda o que é isso, porque somos o sangue infectado do novíssimo problema: frustração de gerações mais respeitáveis.

vantagem e desvantagem da noite: dentro dela não passamos de restos do que não foi o dia.

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