1.3.11

"mandelstam"




"os garotos perdidos cantam para Mandelstam"

pintávamos com liquid paper as unhas e amarrávamos
elásticos em torno dos braços para que nos saltassem
as veias como as dos que imaginávamos ser
os Jeans Genets das penitenciárias da infância,
e as veias explodiam como a vida explodia, mas nós
traçávamos as saliências das veias intumescidas
com caneta bic e, por vários dias, reforçávamos
o traço e conhecíamos o nosso corpo nos intervalos
das aulas de francês de Madamme Albinou, e no mais
havia as marcenarias de nossa primeira química
e os quartos mofados dos nossos hormônios.
nós então sabíamos que o antigo torna-se brinquedo,
sabíamos como sabem os fascínoras e os papas,
apenas que em nós a violência era ainda sem pecado,
mas as costas da revolução nos costuraram os olhos
e hoje não passamos de contra-revolucionários cegos.


O POEMA ABAIXO FOI ESCRITO POR MANDELSTAM EM "HOMENAGEM" A STÁLIN, O DITATOR COM DENTES PODRES, QUE, EM AGRADECIMENTO AO PRESENTE, MANDOU MANDELSTAM PARA MORRER DE FRIO NA SIBÉRIA, EM 1939:



Vivemos sem sentir o chão nos pés

Vivemos sem sentir o chão nos pés,
A dez passos não se ouve a nossa voz.

Uma palavra a mais e o montanhez
Do Kremlin vem: chegou a nossa vez.

Seus dedos grossos são vermes obesos.
Suas palavras caem como pesos.

Baratas, seus bigodes dão risotas.
Brilham como um espelho as suas botas.

Cercado de um magote subserviente,
Brinca de gato com essa subgente.

Um mia, outro assobia, um outro geme,
Somente ele troveja e tudo treme.

Forja decretos como ferraduras:
Nos olhos! Nos quadris! Nas dentaduras!

Frui as sentenças como framboesas.
O amigo Urso abraça suas presas.*



*A tradução literal desta última linha equivale a: "O largo peito do essétio" (cidadão de Ossétia, da Geórgia, região de origem de Stálin). Variante literal: "Um abraço de Ossétia às suas presas".

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