13.7.10

"texto prodigioso de Camila Moura"

minhas entranhas já não vibram cheias de vontade, já não dilatam em câmaras o conjunto já não provocam mistérios na carne ampla e dissemelhante
minhas entranhas sangram moles feridas, igual quando sozinho
quando deixado sozinho o sol se põe
e não se pode fazer nada,
e já não posso manter meus olhos abertos, eu vejo a luz cair por uma fresta e adormeço
sinto uma vertigem incontrolável por dentro, de um ponto exato
eu vejo do prisma do sangue
cercado por lobos meu útero
se esvai de cansaço, se aproxima a matilha
por muito aguardou a matilha

até o romper de músculos

de machos velhos armados com metais velhos forjados
com vozes de veludo amarram minhas pernas acariciam minhas pernas ao que miram meu rosto contorcido então raspam-me o leito não tiram nunca de dentro suas garras frias até que se aniquile a própria idéia do calor até que a câmara solte-se do coágulo num ruído agudo e volumoso e você já pode ir para casa
eu estou para atravessar a avenida e eu nem posso estar de pé
e nem dói nem nada, ou melhor,
eu não faço força, eu tento estar ao sol,
o útero se deixa rasgar, o útero inteiro ergue-se ao corte, ele persiste em sua forma mesmo sob ataque frontal: não desaparece, não volta ao barro, não participa nem sofre com o flagelo
o que sinto que tenho não passa de um tremor localizado
distribuindo numa ação direta a potência que então concentrava entre todos os homens, em ondas, perdendo intensidade de acordo com o afastamento radial do epicentro mas sem jamais chegar a zero
meu corpo alimenta uma cidade desconhecida
e as avenidas que cruzo de olhos fechados como setas
e entre nós esta rede de carne como uma idéia prematura
como se a cabeça transferisse toda sua importância ao ventre
como se ali, enfim, um olhar se concretizasse, depois do fim...

como estivessem os canais do desejo preenchidos de alarme
eu permaneço calada, eu não me mexo e nem faço força
a máxima intimidade oferece jantares a grandes médicos, e mais
o sangue escorre pelos canais e cai numa cuba refrigerante, e instala-se o frio, e o estéril trauma, e o sangue será jogado na privada, e tudo será banhado com álcool, e a ferida será deixada sozinha e sem nenhum ritual de paz


para ler mais obras-primas da menina, vá em http://www.camilademoura.blogspot.com/

Um comentário:

Anônimo disse...

poesia para o aborto. muito triste e bem dita.