6.6.09

Odorico Bueno de Rivera (1911 - 1982)


Os destinos urbanos

O tráfego é previamente fixado
e todos os sensatos vivem o seu minuto.

Onde está o louco para um discurso
sobre os acontecimentos futuros?

Ah! se pudesses, dormirias
sob as árvores da praça, sem cuidados,
te banharias em público, comerias
o teu pão na calçada...

Vives no tempo dos relógios. Os teus passos
são contados, tuas horas são rações
minguadas na fome de ser livre.

E impaciente esperas numa esquina
um mágico que te indique
a porta, te mostre a claridade e ordene a fuga!

Onde estão os mágicos?
Dormem.
E o louco dos comícios?
Morto.
Morto o pássaro, o lírio extinto,
calado o mar,
o coração do homem pulsa
sob as pedras.

xxx

A mão recebe o salário

A face de lua negra
sobre as moedas vermelhas,
o pagador nos espera.

Somos apenas um número
e a dúvida. Vamos em fila
como os mendigos num sábado.

Lá fora, o pássaro voando,
a rosa crescendo, um cão
no alpendre, um peixe no azul.

Nosso nome declamado.
Os algarismos se dobram
como acrobatas na cena.

A mão recebe o salário,
confere as cédulas: não chega!
Não chega! O mundo escurece...

Vejo piscinas no céu,
autos voando, navios
partindo para o nunca mais.

Escuto as risadas amplas
no prédio ao lado. Adivinho
a alegria dos meus donos.

Observo de novo as cédulas:
retratos de heróis, cidades,
as guanabaras em flor...

Cédulas inúteis, não cobrem
a dor dos dias perdidos.
Conto de novo, não chega...

Volto ao lar como um vencido.
O vento do sul nos cabelos,
o soluço dos pés na pedra.

Vergonha das mãos vazias.
Penso no filho, a merenda
escolar entre os cadernos.

Vejo a mulher, mão no rosto,
os olhos na esquina, à espera
de um vulto lento na tarde.

E teu brinquedo, meu filho?
Mulher doente, e o remédio?
Quero gritar mas não devo.

Brusco, atravesso a sala,
sento à mesa, peço o prato,
mastigo a dor em silêncio.

Mãe e filho chegam tímidos,
sentam-se ao lado, me olham.
Calados, compreenderão.

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