1.5.08

"não o terás"

sei bem que estás na cadeira à espera de respostas.
esperas do mundo tudo e não sabes o que dizer.
sei que, deste papel branco pautado, esperas algo.

não o terás.

sei bem teus pensamentos turvos, incompletos,
tua chama ardente a perigo, tua fome nauseada,
sei que temes e gostarias de dizer “tenho medo”.
gostarias de estar diante do mundo, arriscar-se,
lançar o corpo sem rédeas em amplas pradarias,
entregar-se à brutalidade do golpe fulminante.

mas não te mexes, teimas ir adiante.

esperar um pouco mais, enxugar o suor doce
sobre a testa herege, gelada, desencapar o fio
da conexão mais próxima de um instante puro.
por um momento deixar-se, respirar o oco pleno
da existência ereta, tão nossa e tão além de nós,
abraçar o golpe rubro-prata, minguar os olhos.

e já não estás mais na cadeira, és seiva pulsando.
o passa-tempo divino, de peito aberto esperas.
mas, do papel, já não mais nada além do branco.

não o terás.