19.12.07

"Percepção" (Ezra Pound)

"Os artistas são as antenas da raça."
Você se interessa pela obra de homens cujas percepções gerais estão abaixo do nível comum?
Eu temo que mesmo aqui a resposta não seja um redondo "Não".
Há uma pergunta muito mais delicada:
Você se interessaria pela obra de um homem que é cego a 80% do espectro? A 30% do espectro?
Aqui a resposta, curiosamente, é: sim SE... se suas percepções são hipernormais em qualquer parte do espectro ele pode ser de grande utilidade como escritor - embora talvez não de grande "peso". Eis onde entra o chamado gênio pá-virada. O conceito de gênio como próximo da loucura foi cuidadosamente fomentado pelo complexo de inferioridade do público.
Um problema mais grave requer a analogia biológica: os artistas são as antenas; um animal que negligencia os avisos de suas percepções necessita de enormes poderes de resistência para sobreviver.
Os nossos mais delicados sentidos estão protegidos, o olho por um alvéolo ósseo, etc.
Uma nação que negligencia as percepções de seus artistas entra em declínio. Depois de um certo tempo ela cessa de agir e apenas sobrevive.
Não há, provavelmente, nenhuma utilidade em dizer isso a pessoas que não podem vê-lo por si mesmas.
Os artistas e os poetas indubitavelmente ficam excitados e "superexcitados" pelas coisas muito antes do público em geral.
Antes de decidir se um homem é um louco ou um bom artista seria justo perguntar não somente se "ele está indevidamente excitado", mas se "ele está vendo algo que nós não vemos".
Acaso o seu esranho comportamento não será motivado por ele ter sentido a aproximação de um terremoto ou farejado o fogo de uma floresta que nós ainda não sentimos ou cheiramos?
Barômetros e anemômetros não podem servir de motores.
*texto extraído do livro "ABC da Literatura" (Ed. Cultrix; tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes)

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