26.7.07

"a praia do futuro"

O céu e o mar continuam o mesmo. Tudo está mudado. Se me perguntassem um pouco antes, eu nunca poderia dizer. Assim como não posso agora. O que dizer, afinal? O tempo se arrasta até que morremos: a equação é antiga. Mas e quando não morremos e tudo o mais parece morto? Então estamos vivos? Perguntas... Não deixa de ser irônico. Não deixa de ser ridículo. Agora ser ridículo tornou-se irônico. O que estou dizendo? Quando tínhamos em abundância, dependíamos de tudo que não era humano. Todo o horror humano era o que nos caçava pelas ruas, e era só o que nós não podíamos ver, pois éramos otimistas: os chamados inconseqüentes. Mas no fundo sentíamos que alguma coisa podre nos rondava, nos apunhalava contra a parede... Mas agora que tudo está morto, menos nós... Menos nós? Impossível ter certeza... Quando se olha para os lados e tudo está morto, serão mesmo nossos olhos, ou apenas o reflexo do primeiro erro? Sempre olhei para os mendigos com carinho, tínhamos alguma intimidade mantida em silêncio. Achava uma atitude nobre, nada procurar. Mas agora que não há mendigos, nem mais o que procurar, somos todos mendigos à procura. Somos mendigos sem a grandeza de nada procurar, mendigos envergonhados, desertados pelos mendigos legítimos, que vivem melhor. Perdemos a grandeza. Grandeza... Já nem sei o que digo. Mas ando, permaneço. Como foi tudo? Sim, eu me lembro: esposa triste, casamento infeliz, filhos não reconhecidos, gânglios, catapora, rejeição pós-parto, o amigo a quem neguei ajuda, facadas, a mesa vazia, não havia o que dizer... Já tínhamos dito tudo sobre a falta, quando nos faltava muito pouco. Mas chegar a esse ponto? Não é possível. É preciso cavar. Tanta areia... Uma areia que sempre existiu, e nunca pensei nela, assim como não penso agora. Porque areia é como não pensar e seguir. É como escoar de algum canto uma coisa profunda, tão profunda que são milhares de coisas. São grãos, milhares de pontos insignificantes. Somos nós mesmos finalmente, com isso que sempre tivemos: areia em forma de coisas. E agora temos apenas areia e tudo parece tão mais claro! Quando as coisas mudam de proporção e tudo fica de repente vazio, quando só nos resta andar e procurar, quando no fundo as coisas são imutáveis, quando o destino da loucura é mais palpável, por que será que ainda nos sentimos lotados, ofegantes? Por que ainda preciso esvaziar mais, cavar mais, seguir adiante? Não há mais adiante. Todo lado é frente. Quando não há mais nada, somos a própria deriva. Mas se tudo em volta morreu, estarão vivas as palavras?

Um comentário:

natércia pontes disse...

dá um mergulkho, pede um côco, estica as pernas e fecha os olhos. melhora, eu prometo.
beijo e saudade,