13.11.06

"a queda"

Cabelos caem a casa cai
poemas caem calças caem
caem os dedos cai o sol
cai a chuva caiu o mar
Agora outra vez vai cair
o sonho que não amanheceu

Inútil é lutar contra o impossível
inútil e extremamente necessário
Porque se a queda é imprevisível
a queda é inevitável.
Então façamos dela beleza maculada
besta indomável, fúria pagã, cura
façamos dela beleza taciturna
beleza de pedra bruta, coração de lava
que permanece irretocável sob onda submersa
a não ser por Netuno ou então São Pedro
coração triste e exposto através dos séculos
coração faminto coração negado
coração em queda

Cem bastilhas caem todos os dias
e não tocam a tua margem
Caímos ao amar caímos ao vencer
ao nascer do dia à noite caímos lassos
conforme brotam pêlos e caem as carnes
caem os juros caem os muros os porres
Cai um sobre outro muro mudo
submundo de cobre
Muros de paciência!
Muros de evidências!
Quedas institucionalizadas...

Perdemos nosso tempo
pensando no que caiu
por que caiu quando?
Não demos conta da queda

O canto dos suicidas invertebrados
o engulho das aves de asas amputadas
a lubrificação das virgens esquecidas
a gripe final do tenor com sífilis...
O erro grave de dramatizar a queda
mas então que façanhas
que dores, que tréguas?

Síndrome de alguns anjos-poetas
a queda é fruto de não se contentar com a vida
que é a morte de passagem pelo nada
da existência universal plena e secreta

Portanto tirano perdulário amante
presidente secretário de finanças
carcereiro da morte mercenário
você colarinho branco ambulante
vômito anão mau hálito eunuco
crente pálido polido compreensível
você com buracos de culpa na cara!

Esquece o que te parece imprevisível
esquece o que te parece inevitável
Anuncia o que te soa agora incompreensível
nega tudo aquilo que te parecer vingança amarga
Esquece as criancinhas felizes que te atormentam

Preocupado com pequenos detalhes (inúteis)
poda com carinho teus galhos de ameba
poda de joelhos na terra desertada a tua queda

Depois esquece tudo dá umas voltas e morre
Então volta e vê o trajeto do teu peito
aquilo que foi abandonado por medo
para serventia da liberdade estagnada em gaiolas
para ser possível se sentir inteiro na solidão
Tudo caiu como a casa caiu o membro amputado
a capa do vilão a máscara das mortes elétricas
Caímos todos em vão, não há porque temer o fato
Abraça portanto teu vizinho caído e esquece o resto
(por que não?) esquece a culpa esquece a escotilha
somos todos marinheiros de primeiras viagens
Não há o que perder nessa viagem ridícula
se as coisas forem tratadas com carinho
Pois longa é a queda (não há tempo para suplícios)
e muito curta a viagem.

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