27.6.06

“não estamos com sono”

somos para sempre bebês incompreendidos
numa vastidão de movimentos alquebrados
por queixos vis e sobrancelhas egocêntricas
que nos comovem conforme
tiramos a água do nosso cacto
camelos paralíticos sedentos
por folhas vivas jamais requisitadas
depois que aprendemos as palavras
para nos defender de nós mesmos
e pensarmos no que não somos
para deixarmos de ser o que somos
e passarmos a ser o que lhes convém
– eles podendo ser nós mesmos –
através de comunhões
através de curas
através de amor
através de medo.

as palavras no entanto vêm depois
do primeiro sentimento assustado
– nossa única expressão legítima.

palavras muito bem assentadas
quando nos contentamos em não mais
pensar naquilo que realmente fala
e passa do ponto da palavra.

sensação que
com a palavra
se embaralha.

mas temos nossos paliativos na bolsa:
disfarces agrupados em notas sonoras
porque precisarmos não enlouquecer
como quando éramos bebês
e queríamos tocar certo pote de vidro
sem saber exatamente o motivo disso
(como hoje não sabemos disso e do resto)
como não sei o motivo dessas linhas perdidas.

talvez fosse apenas para que pessoas como nós
só que maiores e menos expressivas
dissessem:
“é sono”.

não é porque alguém boceja
que ela precisa estar com sono.

talvez seja mais lógico
que todos fossem chatos
fazendo caretas ridículas
por trás do que acham engraçado
porque não conhecem.

talvez no fundo tudo
aquilo que desejamos
desesperadamente dizer
seja apenas o que nos consola.

porque o incomodo profundo
(espanto inicial de bocas e olhos)
nós não conseguimos denominar
assim como os bebês.

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