7.6.06

"Mario Quintana, para melhorar a semana"



"Cocktail Party"

Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:
Estou triste por que vocês são burros e feios
E não morrem nunca...
Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos...)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças d'água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!

***

"Poema da gare de Astapovo"

O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Glória,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tão sozinho àquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!

***

"Se o poeta falar num gato"

Se o poeta falar num gato, numa flor,
num vento que anda por descampados e desvios
e nunca chegou à cidade...
se falar numa esquina mal e mal iluminada...
numa antiga sacada... num jogo de dominó...
se falar num daqueles obedientes soldadinhos de chumbo que morriam de verdade...
se falar na mão decepada no meio de uma escada de caracol...
e disser simplesmente tralalá... Que importa?
Todos os poemas são de amor!

***

"Os poemas"

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

***

"Domingo"

Amar: Fechei os olhos para não te ver
e a minha boca para não dizer...
E dos meus olhos fechados desceram lágrimas que não enxuguei,
e da minha boca fechada nasceram sussurros
e palavras mudas que te dediquei...

O amor é quando a gente mora um no outro.

***

"Bilo-Bilo"

O idiota estilo bilo-bilo com que os adultos se dirigem às crianças, isso deve chateá-las enormemente, como a um poeta quando abordado com assuntos "poéticos".

***

Um bom poema é aquele que nos dá a impressão
de que está lendo a gente ... e não a gente a ele!
(de A vaca e o hipogrifo)

***

"O pior"

O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.

***

"Exame de consciência"

Se eu amo o meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante?

***

"Do amoroso esquecimento"

Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

***

"A vida"

Mas se a vida é tão curta como dizes porque que é que me estás lendo até agora?

Um comentário:

natércia pontes disse...

adorei a seleção. essa do bilo bilo é otima. tu saiu do msn justamente quando ia dizer olá.tava no telefone. sabe como é. falo muito.
aparece ai ô.
beijo