6.6.06

“das coisas pequenas, que permanecem”

não acho que se deva dispensar nem uma linha.
qualquer escritor que ainda saiba rir
conhece a dor de uma linha apagada,
justamente porque sem dor não há risada.
e ao apagarmos uma linha que saiu torta,
pelo pensamento de que devam ser retas,
apagamos um pouco da nossa própria pele,
falseando nosso errado em prol do correto.
e,
por mais que tentemos forjar nossas rugas,
não se encaixam linhas retas em curvas.
pois no fundo escuro desse céu onde,
fora os frágeis pontos de luz branca,
a fumaça dos aviões supersônicos,
fora o coração voador das plantas,
lá bem no fundo se esconde
uma verdade inalcançável
e tão pequenina!

além da escuridão do reflexo das conchas,
além do vômito da lua nas algas marinhas,
além da embriaguez nauseabunda da areia,
além da irritação imperturbável das ondas,
existe algo que desce subitamente
diante dos nossos olhos,
como farelo mágico.
e depois sobe
e espreita
e tomba
talvez o que no lugar das ondas
deveria ter sido escrito neste
poema
e,
junto com os nossos restos,
com nossas cismas e afetos,
foi apagado sem dó nem pena.
sim,
acredito que esse fundo inexplicável,
que dança diante dos nossos narizes,
seja tudo aquilo que foi descartado
do que de nós são feitas as cicatrizes.
mesmo que eu decerto,
como todo ser letrado,
amante analfabeto,
cinza de centelha,
esteja mais preocupado
em desvendar estrelas.

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