19.5.06

“arthur rimbaud”

só os acomodados sorriem
reparei nisso me olhando no espelho
não vou dizer se sorria ou não, mas que importa?
vocês devem estar imaginando o pior, se me amam
e se me odeiam já pararam de ler.

aprendi contigo a me desaprender para sobrar em mim apenas eu mesmo
e que as cidades são nossas próprias terminações nervosas em fios de luz
nossos pêlos são alegorias de fumaças espectrais nas chaminés do absurdo
nossas vozes ressoadas nos ouvidos do infinito suam águas do novo desgelo
gagueira suja que sempre retorna ao inexprimível e nos faz duvidar da tese.

nossos desejos, simples ferrugem
necessidade de despertar de olhos fechados
para o invisível desconhecido de si mesmo.

nossos olhos, ah nossos olhos
e as figuras molhadas e estranhas que se matizam dentro deles
trêmulos incontroláveis e lassos
um desregramento racional de todos os sentidos
para alcançar o falho em nós e saber o verdadeiro
mais rápidos que a partitura sequencial do tempo.

nossas palavras, símbolos carentes de imagens
petrificadas em movimentos impulsivos
átomos caleidoscópicos a caminho químico
do comprometimento com a vida amorfa
em cores esmaecidas pelo amor que no fundo
só se reconhece em escombros edificantes.

processo poético de imagem-música sinestésica
cavalos rabiscados por Boucher escancaram de dentes
as múltiplas cabeças no único corpo necessitado de tinta fresca
o menino que dorme sobre a pele do princípio insensato ferve de sonhos.

eu sou o outro
porque sempre ao próximo
pertence minha atenção fragmentada em síncope
portanto o que chamam de mim
são apenas migalhas dos meus próximos passos sem chão
sempre é outro que se manifesta através dos meus dedos
no instante da liberação imóvel.

nossa linguagem a nossa visão
perto dela estamos cegos de luz
longe dela cegos de transformação.

através do vendaval de imagens permutadas em ritmo
as paisagens não-miméticas e únicas se tornam atemporais.

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