24.11.05

"Lamento" (Dylan Thomas)

Quando eu era um rapaz presunçoso, um fedelho,
Semelhante à cusparada dos paroquianos
(Suspirava o velho relho de carneiro, agonizante de mulheres),
Andava tímido na ponta dos pés pelo bosque de groselhas,
Onde a áspera coruja gritava qual lendária teta,
Saltava em meu rubor, enquanto as meninas mais velhas
Jogavam boliche nos terrenos baldios dos asnos
E na gangorra das noites dominicais, cortejava
Quem quer que fosse com meus olhos maliciosos,
Tanto quanto toda a lua, podia eu amar e abandonar,
Junto ao arbusto negro como carvão, todas as esposas
Das pequenas núpcias de folhas verdes e deixá-las a sofrer.

Quando eu era um homem tempestuoso, um homem e meio,
A negra besta da congregação dos escaravelhos
(Suspirava o velho relho de carneiro, agonizante de putas),
Não um rapaz e um fedelho numa lua maliciosa
Que submergia e bêbedo como um bezerro recém-parido,
Assobiava durante toda a noite entre as tortuosas chaminés,
As comadres brotavam nas valas da meia-noite,
E as crepitantes camas da aldeia gritavam: “Depressa!”
Sempre que eu mergulhava num baixio de seios empinados,
Sempre que me enfurecia na colcha bordada de trevos,
O que quer que fizesse na noite negra como carvão,
Ali deixava as trêmulas marcas de meus pés.

Quando me fiz homem, o que chamam de homem,
E tornei-me a negra cruz da casa abençoada
(Suspirava o velho relho de carneiro, agonizante das bem-vindas),
Com aguardente e uvas no esplendor de meus verdes anos,
Não um gato de rabo movediço na rubra aldeia escaldante
E como se cada mulher em ebulição fosse o seu rato,
Mas um touro da colina no calor sufocante do verão,
Que alcançara o seu supremo e deleitoso instante
Para os modorrentos e oferecidos rebanhos, disse eu,
Oh, muito tempo fluirá até que o sangue frio se arraste
E eu me recolha ao leito apenas para dormir,
Graças à minh’alma entediada, negra como carvão!

Quando eu era a metade do homem que fui
E merecia então as reprimendas dos padres
(Suspirava o velho relho de carneiro, agonizante de ruína),
Não um bezerro açoitado nem um gato entre as chamas
Nem um touro da colina sobre a relva leitosa,
Mas uma ovelha negra com chifres enrugados,
Ao fim a alma expulsa de sua falsa toca de rato
Se escondia rabugenta quando vinha o tempo das muletas;
E dei à minh’alma um olho cego, flagelado,
Casca e cartilagem, e uma vida de rugidos,
E empurrei-a até o céu negro como carvão
Para encontrar uma alma de mulher para esposa.

Agora não sou mais homem, não mais o sou,
Apenas uma negra recompensa por uma vida estrondosa
(Suspirava o velho relho de carneiro, agonizante de estrangeiros),
Asseado e maldito no meu quarto onde arrulham pombas,
Repouso rarefeito e ouço a mandíbula dos bondosos sinos
– Porque, oh, minh’alma encontrou uma esposa dominical
No céu negro como carvão e ela aborrece os anjos!
Rodeiam-me harpias que emergiram de seu ventre!

A castidade reza por mim, a piedade canta,
A inocência adoça o meu negro e derradeiro alento,
A modéstia esconde as minhas coxas em suas asas,
E todas as suas virtudes fatais atormentam a minha morte!

tradução de Ivan Junqueira

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