24.8.05

Duas hipóteses viáveis pr’um pervertido sexual

Acordei hoje pensando se já tinha conhecido na vida alguém passível de ser considerado um pervertido sexual. Isso foi depois de ter passado a noite sonhando com uma tia avó distante minha chamada Dalila, que no sonho usava um tapa-olho e tinha um papagaio costurado no ombro direito, e pelo que acordei com uma ereção.

Fiquei pensando um tempo e me lembrei do professor mais legal que tinha tido na vida: um de geografia, na época do colégio. Todas as meninas da minha turma, menos umas três, já tinham peito e bunda. O professor se chamava Ednaldo, tinha meio quilômetro de testa, um cabelo muito liso no formato de uma cuia, e era completamente fanho. Tinha uma risada engraçada, que não se sabia onde começava e nem onde acabava. Era como o universo, com a diferença que era apenas uma risada. Todas as meninas da turma queriam trepar desesperadamente com o Ednaldo. Os caras queriam ser como ele. Ele era ridículo demais.

Éramos um bando de calças frouxas ginasianos, na faixa dos 14 anos. Eu era pouco desenvolvido para minha idade, por isso não tinha pêlo nenhum no corpo. Mas no meu bando havia sujeitos como Gegê e Ketchup, ambos já com barba e colhões de um homem de verdade desde os 11 anos. Gegê, inclusive, usava cavanhaque nessa época, me lembro bem, além de anéis com espetos e um tridente tatuado no pescoço. Um dia, depois que Gegê esmigalhou com chutes o braço de um menino na parede durante a aula de ginástica, a direção convocou a mãe. Também tinha um tridente ou algo do gênero tatuado em algum lugar e chegou completamente bêbada para ver o filho. Se deram no meio da rua, em frente ao colégio. Gegê era mesmo um animal. Machucou bastante a mãe, com socos e pontapés, porque ela estava de fato muito embriagada. Deixou a mãe ali estatelada e semi-nua no chão e se mandou: o sujeito mais cruel de uma época. Depois nunca mais vi o Gegê. Minto! Vi um dia desses: carregava uma pastinha com uma camisa-pólo amarela e não era maior do que eu. Esses assassinos profissionais, quando explodem já na adolescência, normalmente viram evangélicos ou hare krishnas quando ficam adultos e já não dá tempo para mais nada. Já bateram o que tinham que bater. Agora acham que precisam se redimir de algum jeito. Nunca entendi isso muito bem.

Mas dizia que a maravilha da história é que, justamente esse professor de geografia, o Ednaldo, por ser querido por todos na turma, meninos e meninas, resolveu nos acompanhar como guia e, segundo ele, cinegrafista da nossa viagem de fim de ano.

Íamos para Penedo e, se não me engano, estava frio como o cu de uma foca. Eu era um gordinho irritante de boné, por isso sentia pouco frio. Eu ejaculava sem parar. Mas andava com uma turma meio barulhenta, que acabava sendo o centro dos principais motins, o que me dava, de respaldo, certa notoriedade. Eu prestava muita atenção nas meninas, em cada movimento delas, todos decorados numa caixinha de prazer e esquecimento, de onde já podia ver brotar o suco eterno nos peitinhos inchados de tesão e hormônios. E elas sabiam disso. E eu sabia que elas sabiam. Mas elas achavam que eu não sabia. Meninas amadurecem muito mais cedo que os meninos. Mas os meninos aprendem a mentir bem antes, o que acaba equilibrando o jogo de uma certa forma.

A viagem se passou quase toda num hotel de campo, exceto no dia em que fomos a um baile finlandês. No hotel eram meninos de um lado, meninas do outro. Sim, senhor. Boa noite, senhor... E todos juntos outra vez no escuro, uma ilusão para nós, diversão para elas. E eu acabava sozinho no quarto imaginando todas elas chupando umas as outras durante a noite, e acordava com o saco inchado e dolorido. Aquelas meninas foram meu primeiro problema sério. E de todo o resto do bando. Um bando de figuras magras e espinhentas, ou gordas e flácidas, de canelas largas e nenhum ombro, todos de bonés e têmporas sempre suadas, sempre com aquelas camisas de futebol, aqueles joelhos ralados, aquele cheiro de suor entranhado para sempre. E do outro lado, o paraíso. Corpos em plena evolução. Uma transição a olhos nus. A máquina da vida em pleno vapor. Pra mim elas andavam sempre em câmera lenta. Ainda sonho com seus olhos. Na época sonhava com cada resvalo dos seus dedos, com cada sorriso roubado de outro sujeito com mais sorte do que eu. Posso dizer que nessa época eu amei com toda a intensidade. Um passo, queda, um passo, abismo, um passo, céu, outro passo, tocando nos quadris, nas barrigas das pernas, nas barrigas ainda um pouco sem forma, nos calcanhares desajeitados... então acordava com calafrios.

Mas onde eu queria chegar era aqui. Professor Ednaldo, de geografia, de fato “cinegrafou” a viagem. Inclusive mixando as imagens com uma trilha sonora escolhida pelo próprio: havia o hino do Flamengo inteiro em todas as suas variações – inclusive num quarteto de harpas – e uma música funk, do tipo que um garoto como eu não podia ouvir vendo uma mulher dançar ao mesmo tempo.

Depois que voltamos da viagem Ednaldo reuniu a turma e disse para irmos à sala de vídeo assistir ao “nosso filme”, e dava uma daquelas risadas com ecos intermináveis. Os garotos, esbaforidos, se espremiam em volta da porta, enquanto as meninas roíam as unhas com cara de indiferença, mas loucas de curiosidade. Nós éramos apenas animais em convulsão. Elas estavam realmente preocupadas com suas reputações, loucas para saber qual delas era a preferida do Professor Senhor Cabeça de Cuia.

No caminho até a sala de vídeo, cutuquei o professor pelo ombro. Ele se virou rindo. Vivia rindo.

- Ei – falei – você não comeria uma delas?

Ele ficou sério por um segundo, depois abriu de novo aquela infinidade de dentes.

- Eu tenho uma baiana – ele disse. – Uma índia baiana que tá me esperando numa rede lá na Bahia. No fim do ano vou lá buscar minha índia.

Eu nunca engoli muito essa história de índia baiana. E ele sempre jogava essa. De qualquer modo eu não disse mais nada e ele me deu um tapa na moleira e eu fui me espremer juntos aos outros hominídeos pelo melhor lugar na sala de vídeo. Ednaldo tinha prometido uma surpresa no vídeo. As meninas entraram depois, todas muito sérias, menos umas duas ou três que, como eram muito mais feias, já eram mais depravadas desde cedo. Essas nos encaravam e nós as queimávamos com isqueiros, púnhamos alfinetes nas suas cadeiras, tentávamos estuprá-las quando estivesse escuro. Era uma relação saudável. Com as outras era frio e simples: nós éramos imaturos, brutos, fedíamos e não sabíamos ainda usar os nossos paus; elas eram cheirosas, algumas místicas, todas profundas conhecedoras da psique humana, isso além daquelas curvas maravilhosas e todo o conhecimento sobre exatamente o que fazer com elas.

Sentaram no fundo da sala, para evitar o professor, fingindo vergonha e desatenção. Os garotos se amontoaram uns sobre os outros na frente da televisão. Miessa acertou um direto nos olhos de Baliú, que quase teve um deles arrancado com a tampa de uma caneta. Mas quando tentou reclamar o resto calou sua boca na marra. Do meu lado sentava meu melhor amigo: Tognozzi. Parte italiano, parte cubano. Não podia ser boa coisa. Era um garoto de olheiras profundas, a pele muito escura e seca e os cabelos negros e lisos, oleosos, na altura do ombro. Andava com um canivete aberto no bolso. Vivia com as mãos todas cortadas. Eu dizia a ele que ele morreria cedo pela próxima revolução. Ele parecia gostar da idéia. Mas me batia do mesmo jeito quando eu dizia. Eu batia um pouco menos porque tinha os braços muito curtos pra idade. Na sala ele estava do meu lado, com a mão dentro da calça e os olhos vidrados na TV, mordendo a língua. Foi exatamente quando começou a surpresa.

Era Mirela Porto debaixo de uma cachoeira ornada de violetas. Ela estava como nas minhas lembranças. Em câmera lenta. Eu nunca conseguia olhar para Mirela por mais de dez segundos. Agora eu tinha toda ela para mim em câmera lenta, debaixo de uma cachoeira ornada de violetas. Por trás da imagem ouvia-se um funk que dizia algo como “o que fiz foi maldade, queria me desculpar ou perdoar”. Imediatamente Tognozzi se jogou no chão na frente das cadeiras e começou a estrebuchar revirando os olhos. “Ele é epilético!”, uma menina gritou. E levaram o Tognozzi dali com língua de fora e mão dentro da calça. As meninas imediatamente se levantaram e saíram correndo, horrorisadas. Menos Maria Romero, uma das feiosas fogueteiras que, quando empurrada para fora da sala, reagiu:

- Por que não posso ver? Eu quero ver com os meninos!

Mas então foi um dos meninos que a empurrou longe. O filme avançava em outras cenas como aquela, só que melhores: o espaço entre os peitos de uma, sob determinado ângulo, uma outra puxando a barra do biquíni e mostrando os pêlos de dentro, meninas na sauna de bruços, closes nas partes da frente dos biquínis.

A televisão se apagou de repente. Ficamos no escuro. Acenderam a luz. Ednaldo. Ria e ajeitava os cabelos de cuia.

- Agora eu vou parar que deu muita confusão essa história já... Se vocês quiserem, espalhem pro resto que é 15 reais cada vídeo, e eu não aceito cheque.

***

Não sei se esse cara era um pervertido sexual. Mas lembrei dessa história depois de sonhar com a tia Dalila. Hoje ele deve estar provavelmente com sua baiana numa rede, ou pode estar também enterrando pedaços de uma menina de 14 anos. Acho qualquer das duas hipóteses viável.

Um comentário:

Anônimo disse...

o cara é na melhor das hipóteses um sacana gente boa e na pior um professor pedófilo que não soube crescer.